
Diferentemente do que sugere um vídeo que circula pelas redes sociais, não há comprovação de que urnas eletrônicas brasileiras tenham sido invadidas ou comprometidas durante a convenção Defcon, em Las Vegas, nos Estados Unidos, em 2017. No evento em questão, os procedimentos foram realizados em um ambiente experimental de testes, voltado à demonstração de vulnerabilidades em máquinas usadas nos Estados Unidos, sem qualquer vínculo com o sistema eleitoral brasileiro.
O post verificado traz trechos de um vídeo com declarações do engenheiro Amílcar Brunazo Filho, que afirma que “todas as urnas eletrônicas testadas foram hackeadas em menos de duas horas”. Ele defende que apenas o voto impresso permitiria uma auditoria independente. O vídeo circula em redes sociais como o X e o trecho foi extraído do documentário The Fake Judge (2025), produzido pelo Canal Sérgio Tavares, no YouTube.
Sérgio Tavares é um influenciador português que faz comentários sobre a política brasileira. Em abril de 2024, o Comprova mostrou que eram enganosos os seus comentários sobre este mesmo evento realizado em Las Vegas. Na ocasião, Tavares afirmou que a TV Globo divulgou que as urnas eletrônicas brasileiras são “hackeáveis”, após terem o sistema invadido em uma convenção de hackers nos Estados Unidos. Ocorre que os equipamentos hackeados não eram os usados no Brasil.
Em contato com o Comprova, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enviou esclarecimento sobre o mesmo tema publicado em 2021, além de checagens do Comprova e do UOL Confere. O evento realizado em Las Vegas envolveu equipamentos antigos, alguns com conexão à internet, ao contrário do que ocorre com os do Brasil, e nenhum deles correspondia às urnas eletrônicas brasileiras, que são sistemas fechados, criptografados e auditáveis.
Segundo o jurista Vinícius Rodrigues Alves, mestre em Segurança Pública pela Universidade de Salamanca (USAL) e especialista pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, “a Defcon foi um ambiente de experimentação pública, sem protocolos eleitorais e sem qualquer participação institucional do Brasil”. Ele ressalta que “os relatos popularizados em redes sociais confundem demonstrações experimentais de vulnerabilidade com ataques reais a urnas certificadas”, e que “do ponto de vista técnico e jurídico, não há registro de violação do sistema eleitoral brasileiro em qualquer eleição oficial”.
A peça audiovisual foi compartilhada por perfis voltados a pautas políticas e críticas ao sistema eletrônico de votação, ampliando sua difusão entre grupos de apoio ao voto impresso. Para Alves, esse tipo de conteúdo “mistura fatos técnicos com interpretações ideológicas, o que enfraquece o debate público e confunde o cidadão sobre o funcionamento real das urnas”.
Ainda conforme o especialista, “o sistema brasileiro é auditável, supervisionado por entidades independentes e passa por inspeção de código-fonte e Testes Públicos de Segurança (TPS), em que qualquer tentativa de invasão é documentada e analisada de forma transparente”. Ele conclui que “a narrativa de que o Brasil utiliza uma ‘caixa-preta eleitoral’ não se sustenta diante dos mecanismos legais e técnicos de fiscalização previstos pela Constituição e regulamentados pelo TSE”.
A autora do post foi procurada pelo Comprova, mas por uma questão de configuração do perfil, não é possível mandar mensagem.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O vídeo foi compartilhado por um perfil que se descreve como “brasileira de coração, viajante por paixão. Casada, mãe, avó. Escritora, palpiteira de política, geopolítica e humor. Meu livro expõe os bastidores”. A conta costuma publicar comentários políticos e conteúdos de tom opinativo. Foi a partir de uma postagem desse perfil que o vídeo começou a circular, levando à verificação do material.
O conteúdo investigado consiste em um vídeo que afirma que, em 2017, em Las Vegas, todas as urnas eletrônicas teriam sido hackeadas em menos de duas horas, e que apenas o voto impresso permitiria “somar do lado de fora” sem depender do software da máquina. O vídeo também alega que apenas Brasil, Butão e Bangladesh utilizam urnas eletrônicas sem impressão de comprovante, insinuando que isso representaria uma vulnerabilidade grave. O Projeto Comprova já verificou publicações semelhantes que circularam em redes sociais.
Por que as pessoas podem ter acreditado
O post e o vídeo compartilhado utilizam uma combinação de táticas de desinformação, com o objetivo de desacreditar o sistema eleitoral brasileiro ao associá-lo, de forma enganosa, a falhas genéricas em modelos de urnas eletrônicas testadas em eventos não oficiais.
A principal tática identificada é a descontextualização. O vídeo menciona testes realizados na Defcon, na qual modelos variados de urnas eletrônicas não usados no Brasil foram expostos a testes em ambiente controlado, com acesso físico e pleno às máquinas, uma situação radicalmente diferente da realidade das eleições oficiais, que seguem protocolos rigorosos de segurança física, lógica e auditoria. O conteúdo ainda sugere, sem provas, que o “mesmo produtor das urnas brasileiras” foi responsável por modelos hackeados, uma conexão enganosa que explora a similaridade técnica para transferir vulnerabilidades hipotéticas de sistemas distintos.
Além disso, há apelo à emoção e ao alarmismo ao afirmar que “todas as urnas foram hackeadas em menos de duas horas”, o que não constitui uma análise técnica séria nem considera os diferentes graus de dificuldade e as limitações dos experimentos. A menção ao documentário com forte carga acusatória, sem comprovação, reforça a narrativa de vulnerabilidade absoluta, configurando também viés de seleção, ao ignorar as defesas, auditorias e histórico do uso seguro das urnas brasileiras. Essas distorções comprometem o debate público e fomentam a desconfiança infundada no processo democrático.
Fontes que consultamos: Comprova, Tribunal Superior Eleitoral, Vinicius Rodrigues Alves (especialista em Direito Eleitoral).
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e em aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais, e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.